sábado, 21 de junho de 2008
meu querido cancro
e morres-me devagar, devagarinho. a cama de hospital é pequena para tanta morte e eu de braços cruzados espero com a minha vida presa na chiclete colada na sola dos meus sapatos. é um cancro, um cancro aqui ou ali, pouco me interessa que parte do teu corpo ele habitou, qual é a sua casa, pouco me interessa. é um cancro e ainda por cima é desses que são pior que chicletes coladas na sola dos sapatos, inquilinos mal comportados que gostam de se mudar de um lado para o outro sem avisarem, não pagam ao condomínio. é um cancro meu amor. conheci-te em Abril e para mim apartir de então todos os anos são compostos por doze “Abris” por isso eu não sei em que mês estamos, que tempo faz, também não interessa, é amor e todos os meses serão de amor num ano de amor para a eternidade de amor mesmo após a tua morte, meu amor.
morres-me devagarinho na fala dos enfermerios, médicos, auxiliares, amigos, familiares, nas condolências adiantadas, nos sentires pesados. quero lá saber disto tudo, não me interessa que morras só me incomoda que te matem, meu amor eu não quero que te matem tanto quanto não quero que morras mas parece que tens a habitar o teu prédio um só inquilino safado que se recusa a sair, já fui tratar dos papéis com um advogado mas precisamos de um mandato e do jeito que a justiça está em Portugal nem daqui a três meses conseguimos um. meu amor, até lá morres-me devagarinho nesta cama de hospital onde o branco que tanto odeias toma conta das últimas recordações que de ti terei.
5 comentários:
É uma das piores situações que a pessoa pode passar. E escreves tão belamente, ainda que sobre a doença, a morte, e o sofrimento...e transformas a dor em poesia...
Beijinhos doces cristalizados!!! :o*
eu conheci-o em junho quando nasci... e agora também me morre devagarinho "lá está" dizem e eu cá estou... longe, esperando... que morra devagarinho o suficiente para o ver uma vez mais; temendo... que o que o não veja mais quando o olhar outra vez.
obrigado por partilhar comigo as palavras que me custam dizer
Fico muito contente por ter acrescentado algo de bom à tua manhã de domingo. Muito obrigada, mar.
E do que já li daqui, posso garantir reciprocidade. (:
um beijinho muito grande, *
deixo-te só um sorriso , não consigo dizer nada mais.
:)
Foi um bicho desses que me roubou a Mãe. Uma morte anunciada que caminha de dentro para fora, dolorosa e agonizante, lenta mas decididamente. Sentimo-nos tão impotentes perante tal enfermidade...
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