terça-feira, 12 de agosto de 2008
lúcia.
no peito da mala repousa cansado e sossegado o bilhete de autocarro, só de ida, sem a vinda dos que regressam com o coração a bater-lhes mais depressa. dentro do peito da mala não há corações a bater depressa, só o silêncio de quem pouco mais tem do que um caminho por onde arrastar uma mala. a mala rebenta pelas costuras de uma barriga farta de roupa de inverno, antecipas o tempo e, como sempre, estás certa. o outono que parecia demorar a passar acena agora na copa nua das árvores e o inverno, em jeito de quem chega com as mãos cobertas de neve, assobia uma dúzia de indelicadezas com nome de lugares onde nunca irás. é tarde e as ruas enchem-se de uma misericordiosa quietude, tu empurras a vida acanhada à tua frente e, pela frincha da porta, uma senhora espreita-te da sua velhice. cai a rua na próxima esquina mas tu não tens medo, sempre foras caída como o chão e hoje, antes que anunciem a tua partida entre sorrisos, tu desprendes-te das emoções e encurralas as lágrimas no topo da tua testa, há oceanos presos no topo da tua testa e tu não te importas lúcia, não te importas com o barulho da sola descolada dos teus sapatos a arrastar pequenas pedras consigo.
houve uma vida que te pertenceu mas já não te lembras quando e, agora que os teus medos estão escondidos nos bolsos do teu casaco, não perdes tempo a anunciar a sua morte. nada mais há em todo o mundo, pequeno como os botões do colarinho da tua camisa, que te cheire à inutilidade da vida que tiveras e ainda bem que assim é. um dia ensinaram-te a atar os atacadores e a partir daí, em teu redor, não havia nada desatado. eras um nó, és um nó.
1 comentários:
Quem me dera por vezes esconder tambem os meus medos nos bolsos e avançar... Lindo texto como já é habito;)
Beijinho
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