domingo, 28 de setembro de 2008
antes a minha morte
antes havia um sino a tocar a rebate na igreja por detrás do arvoredo, havia um padre a gritar por socorro enquanto a aldeia respondia ao alarme com os olhos ainda ensonados, havia uma morte a preencher as ruas de uma calmaria sem eira nem beira, havia tudo antes, havia a dor da perda, o negro nas vestes, a viúvez, havia o tempo de luto e o tempo de luto durava o resto da vida. agora nada mais há depois da morte, se morresse hoje o que de mim sobrasse seria colocado em caixas, algumas memórias seriam doadas, outras morreriam debaixo da cama e a maioria habitaria os contentores do lixo. se morresse hoje ninguém se vestiria de preto e o meu velório duraria apenas uma noite, uma noite com dois rostos a velar-me o corpo e outros tantos a descansar para o funeral do dia seguinte, provavelmente não haveria voluntários para pegarem no caixão e a cerimónia demoraria o tempo do padre apresentar as condulência à meia dúzia que ficaria até ao final. se eu morresse hoje o meu corpo seria lançado aos bichos e na quietude estática da morte eu ia presidir um bando de almas penadas que voltam à terra por vingança. antes havia alguém a dar sentido à minha morte, alguém que eu saberia presente no antes e no após, agora não resta nem uma sombra a testemunhar a minha vida. não resta nada e não posso morrer em paz.
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