domingo, 28 de setembro de 2008
entre o meu corpo e o teu
antes havia o teu rosto parado na janela e uma mão que abandonava o espaço em volta e cobria o vidro por uma camada espessa de angústia. havia um corpo parado atrás da parede, mudo como o betão que a habitava, havia um corpo da cor dos tempos antigos, quando o outono sabia a outono e não a tempo indeterminado.e nunca havia um adeus como o primeiro, não se erguiam vozes, não se matavam gestos, não se pegava em nada que pudesse ferir ou magoar fosse o que fosse. antes havia um sítio, um lugar chamado casa, uma casa que era do tamanho de um país, um lugar encantado com vista para um tempo que não nos pertence. antes de nós, quando o mundo ainda conseguia virar a cabeça para nos ver, erguer uma mão para nos dar, quando o mundo, meu amor, era o tempo a abrir os olhos para o nosso lado. antes havia uma cómoda velha, onde os perfumes adormeciam em cima de um pano bordado pelas rugas de uma avó, a avó era nossa como era nosso o mundo ou o tempo que lhe morava no corpo. e na cómoda esperavam alguns papéis, recados deixados em cima de uma mesa, palavras de bocas mudas onde as letras eram comidas. antes havia uma história de amor com um final feliz que agora morria na pele de um corpo preso a um caixão.
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