sábado, 18 de outubro de 2008
olhos cor de azeitonas
amélia olha-me nos olhos, a sala é enorme, a casa é de longe, a aldeia está vazia. chora. tem olhos cor de azeitonas e o peito aberto, em sangue. falou pela boca fechada, numa voz muda, alguma vida, pouca, que muita vida dói. já lhe ensinaram a morrer, a mãe quando tinha dez anos, o pai quando tinha quinze e o irmão quando tinha vinte e cinco. hoje gostava que alguém lhe ensinasse a vida. eu olho-a alheio, não sei do que fala, não lhe ouço a voz, nada. espreito-lhe por entre os braços algumas faltas, muitas saudades. amélia é triste. páro de caminhar de um lado para o outro, a jarra no centro da mesa carrega algumas rosas, a murchar, as pétalas caem na toalha da mesa, bordada de seda, estendida ao avesso. a vida também, sinto. amélia não sabe onde lhe dói, vejo-o, contorce-se ao fundo, enterra-se na cadeira, chora alto, grita amélia, grita. os outros fugiram do mundo, foram cobardes mas tu não. a sala é pequena para ti amélia e até eu sofro uma história que não é minha. provavelmente se soubesses a minha história não contarias a tua, mesmo que ela te caia pelos olhos. amélia, amélia. quantos dias mais serão precisos até que te apercebas? ouve, a tua dor é a minha casa. fico, quieto, não minto, ando de um lado para o outro que os passos multiplicam as palavras, empurram-me para a morte. silêncio na sala, a casa desaparece na noite a cair sobre a aldeia.
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