quarta-feira, 22 de outubro de 2008
quando a noite caiu ele encolheu-se no tapete da entrada da casa, entre o welcome e a lã castanha do seu casaco tentou ser feliz, mas ser feliz era mais difícil do que pensava, lembrou-se da tarde a cair por detrás da casa, da oliveira inclinada para o rio entre os dedos das mãos dela, parado, a água estática deitava à tona muitas folhas de um outono prestes a começar. ele chorou, às vezes chorar faz bem. chorou o peito cravado de recordações mais pesadas, tantas, que tinha guardado ao cimo de si para chorar quando tivesse tempo, agora tinha tempo de sobra para chorar ou para morrer. ele morreu. morreu no comboio, na carruagem 23, o segundo banco do lado da janela. morreu com a mão erguida a acenar todas as despedidas de uma vez só, para nunca mais voltar. ele sabia que a morte era uma casa deserta, ele sabia. soube-lhe os dedos a murchar com os raios de sol a entardecer, soube-lhe a mão a secar, branca como a cal das paredes que ainda o seguravam, ele soube-lhe o corpo em decomposição à porta da estação, entre o pó do caminho de terra batida e a carruagem deserta. teimava em não acreditar que o amor morria mas agora, depois de morto, parecia-lhe razoável acreditar na morte de um amor. já não era nele que ela pensava mal acordava, já não era por ele que ela se penteava e colocava a fita preta a segurar o cabelo longo, esticado até ao rabo, já não era para ele que ela se vestida, sempre em tons lilás como ele gostava. ele tinha morrido nela, para sempre. agora, ali, sentado à porta da casa deserta que habitava, ele queria morrer de tão morto que estava, cerrou os olhos com os dentes e recostou-se melhor no tapete mas só conseguiu chorar mais um pouco. até a morte lhe parecia agora um lugar demasiado longe.
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