segunda-feira, 27 de outubro de 2008
tens a garganta a cair-te pelos braços. páras o percurso matinal e ajeitas as mãos nos bolsos. perdeste as mãos. olhas-te na berma de todas as esperas, fazes pés de meia com elas, aquecem-te no inverno quando a geada te come o calor. ontem eras inteiro hoje és uma parte de qualquer coisa que nunca soubeste o que foi. ela saiu de casa com a vida às costas, pelo caminho pudeste ver-lhe algumas lágrimas escorregadias. o asfalto empobreceu a partida. devias ter chorado e hoje choras tudo, devias ter gritado volta enquanto era tempo de voltar, agora não há nada a fazer. sentaste, tens a casa às costas e filhos entre os dedos das mãos, a esquerda segura-te o queixo e a direita apanha saudades que se tiveram ontem. em algum lugar estão os braços, caídos num cubículo vazio, ela anda agora sem eles, crucificada por abraços só com uma letra. o cão que se senta agora ao sol do outro lado do passeio espreguiça-te a garganta entre os dentes, corres. os teus passos afundam-te o corpo, já não há caminhos.
2 comentários:
Há mt tempo que não te lia...continuas a escrever mt bem, sendo um prazer (re)ler-te!
walter (do tons de vermelho)
"tens a casa às costas e filhos entre os dedos das mãos"
Um texto excelente: comovente e esteticamente perfeito.
Um beijo.
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