domingo, 30 de novembro de 2008

de ti só ficou o frio, a humidade das paredes, o granizo do cabelo a secar no estendal da casa, largada ao abandono numa rua caída junto à ponte. de cá do pátio, com os pés metidos num charco, a gaivota espera a água, na pressa de quem vai para longe e migra, é a última a migrar, para o lado de lá da ponte, junto à serra do pilar, onde um amontoado de gente canta o prenúncio da morte, em voo rasante. a gaivota tem uma forma estranha de voar, só com uma asa, e aos solavancos vai empurrando o ar pulmões adentro, até entupir os bronquios. o douro está preso nos olhos negros, por sua vez enfiados dentro dos binóculos no cimo do miradouro e ele, de gabardine e chapéu cinzentos, aguarda a chegada da gaivota. o voo é interrompido por um semáforo fechado e a gaivota desce, devagar, cai, até à superfície das águas. por esta altura estende-se um nevoeiro, desde a ponte da arrábida até à ponte d.luís e a gaivota, que entretanto se deixou boiar, afunda-se lentamente nas bravias águas do rio. o homem desce a serra apressado, do lado de cá há um rodopio, um diz-que-disse que enche as bocas, nas margens do douro inclina-se, espreita, perde os binóculos, espera, mas da gaivota só uma pena deu à costa.

por: mar

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amanhã não me lembrarei de ti, talvez hoje ainda, se tudo correr bem e a maré não me atrapalhar, eu consiga, devagar, inquietar-me, esperar que me enchas a boca, seca de gestos. podre. quem sabe depois de amanhã só sejas um ponto negro por cima de uma vogal, um traço em punho fechado, enrugado de letras, feito de palavras presas a um corpo desmembrado. então será o fim de um dia, ou de tantos dias colados uns nos outros, e pouco de ti sobrará no dia seguinte. então encherás os braços, cravados de espadas, com aconchegos de formas diversas e morrer-te-ão nas mãos os carinhos, verdades  não ditas como o horizonte em queda livre em plena manhã. e ao menos adormeces? hoje de manhã vi-te chegar com os ombros curvados, pesado de memórias, vi-te sentar na soleira da porta como quem espera um amor atrasado e, depois de algum tempo, o fantasma que eras virou corpo, com carne e ossos e sentimentos.gosto de ti como gosto do pátio em dias de chuva, com charcos que me molham os pés e o frio a habitar as paredes.não morras antes de adormeceres. 

por: mar

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quinta-feira, 27 de novembro de 2008

a luz da tarde incendeia a sala que cai para dentro da noite, inteira, móveis e tudo.tu olhas-me com os olhos baços, encolhidos no branco resplandecente das paredes degradadas da casa e, depois de algum tempo, ressuscitas-te nas minhas pálpebras e ficas, plena de ti, cabisbaixa, como uma madalena arrependida, a bordar algumas faltas entre as tantas, vastas, ausências que me consomem. eu e tu moramos dentro da ferida, inquilinos de uma dor, ligeira mas permanente, que aumenta a cada compasso de espera. um pouco mais a preceito, do outro lado da minha cruz pesam-se dores mais profundas, pedaços de ferro queimado, enroscado como as brasas entre os lençóis. não posso negar que o castigo é maior que o corpo e que os passos são sempre maiores que as pernas, por isso me inclino sobre ti, quero ver-te melhor, cair por ti abaixo como uma lágrima interdita e, finalmente, morrer-te no colo, com o útero a sangrar um filho que não te pertence, mais tarde quem sabe consigas respirar, por enquanto basta-te um ou outro sussurro, uma ou outra demora, aqui ou ali, desde que seja em algum lugar, porque tu és dos lugares provincianos, onde se roubam as letras às palavras e se fala a correr. em breve matar-me-ás, é sempre assim quando a geada do inverno te acanha as dobras do corpo, insurgirá em ti uma qualquer raiva, contra a qual não há defesa possível, e depois, tarde ou cedo, a pele das tuas mãos tornar-se-á a pele do meu pescoço, apertada, a sucumbir sem resistência perante a força da desolação. possivelmente morrerei, como morro sempre, com a certeza de que nunca me amaste. quando dezembro chegar ao fim, e o natal se encolher nos teus braços, quererás dar vida a um menino que não é teu filho.são escassos os braços que não magoam os ossos, apertados, espremidos contra a pele do corpo já morto.é que sabes, mãe, o ano tem trezentos e sessenta e cinco dias e desses trezentos e sessenta e cinco dias nenhum te pertence.

por: mar

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quarta-feira, 26 de novembro de 2008

a vida, essa fantástica menina de balão seguro entre os dedos a bailar ao sabor do vento, a vida, tão simples quanto essa palavra de quatro letras, onde tudo é harmonioso, justo, até na soma de duas vogais com duas consoantes. a vida, essa puta de saia erguida às tantas da noite numa esquina qualquer, a vida, tão complicada quanto ela própria. a vida é do bloco de esquerda, tem uma dupla visão acerca da realidade, é extremista, e com orgulho é a primeira a marcar presença na rebeliões, a segurar cartazes nas greves e marchas. se fosse um fruto seria uma maçã, vermelha, envenenada, a mesma que quase matou a branca de neve, aquela que mordeu a eva e alterou o percurso de toda a humanidade. a vida tende a ser revolucionária embora por vezes mostre sinais de grande apatia, em alguns momentos chega a ser autoritária, sarcástica, hipócrita, mas sempre é alguma coisa ainda que se torne sociopata e acredite que poderá ser nada, por vezes tudo, sozinha. a vida essa cidadã do mundo, fugitiva, circular como um cão atrás da cauda, vadia, intercalar, perigosa como uma doença, caústica como um tufão, imprevisível como o tempo, crente como a viúva, sentada à porta da casa, à espera do homem morto há mais de dez anos. a vida é uma corrida de caracóis, a passar em câmara lenta, no horário nobre de uma qualquer estação televisiva e, por muito que corras, nunca conseguirás alcançar um lugar no pódio, porque a puta da vida transformar-se-á em caracol, desdobrar-se-á em três, só pelo gozo de te vencer, de novo. 

por: mar

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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

adeus. a palavra atravessa as sombras e vem deitar-se comigo, nasceu das vozes, das outras tantas vozes monocórdicas, ancoradas na sofreguidão dos ossos a romper a pele. adeus. a sala inteira se aninha ao fundo dos olhos arregalados, quero chorar mas não posso, fico a acumular as lágrimas sem pestanejar até ao suspiro, após o suspiro a sala sobe às paredes com medo de se afogar e eu nem reparo, aluada entretenho os sonhos presos no vidro baço da janela, conto-me alguns segredos, faço-me algumas promessas que incluem um não abandono pematuro, às vezes sorrio por cima de tanta dor. as portas batem, fecham-se de par em par, matam-se umas às outras, ao sabor de alguns ventos do sul. tu partes para longe, onde o inverno é uma vivenda germinada, a minha alma parte-se contigo, agora é um cubo desfeito em seis quadrados. 

por: mar

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sábado, 22 de novembro de 2008

o livro: 

ele chegou, esta manhã, de viagem. vinha escondido num envelope onde as moradas, numa caligrafia curvada, se namoraram por cerca de quatro dias. tem a medida de um palmo e está pintado de negro, talvez seja um reflexo de toda a noite que carrega, ou talvez não. as suas 421 páginas, ainda novas, contam-me muitas histórias em forma de poemas mais ou menos simples. o livro faz-me chorar. agora está parado na minha frente como morto, a capa ligeiramente afastada das restantes folhas, à espera que eu a toque com os dedos da mão, que a afaste mais, que o pegue ao colo. choro. o livro traz o teu cheiro, em cada página há o teu nome, o teu olhar redondo manchado de noite e em mim cresce uma saudade moribunda, sobe-me a tristeza pelo corpo, já não respiro. o livro é um mar em apuros. 

por: mar

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sexta-feira, 21 de novembro de 2008

era talvez por isso que eu te amava, o teu modo invulgar de cruzar as pernas, o jeito perspicaz com que me olhavas e depois o segredo, no mais íntimo de ti encarcerado, as cores que a cidade tinha nas tuas mãos. tudo era perfeito e o amor parecia-me fácil, simples como o teu reflexo nas minhas lágrimas. chorei muitas vezes por ti mas isso não interessa nada. certo é que foste, talvez tenha sido o vento a levar-te ou quem sabe o mar com as suas ondas, mas da tua partida não relembro outras formas que não as da tua mão erguida a acenar-me. em nós tudo poderia ser perfeito como a noite enterrada no teu peito mas, meu amor, quem parte, parte-se ao meio. da metade que de ti me restou sobram algumas memórias curtas, coisas para se chorar com tempo sobre um álbum de fotografias, há quem diga que és feliz, eu não sei sequer onde estás mas se me ouves, se podes porventura escutar-me, peço-te: não voltes, que se voltas matas-me outra vez e tu já levaste as minhas sete vidas .

por: mar

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quinta-feira, 20 de novembro de 2008

a manhã ergue-se brejeira, no seu modo simples, caindo do céu sobre as casas que são pedras, pedras de um mesmo caminho, o mundo. eu dispo-me de sonhos e voo pela realidade, apedrejado pelas saudades, equivocando os ossos do corpo todo, questionando a pele, a cair vagarosa rumo ao chão. é assim quando envelhecemos, tudo começa lentamente a puxar-nos para o chão, até finalmente tombarmos, sermos corpo lançado ao abandono entre sete tábuas de um caixão, a habitar a casa dos bichos que na sua enfermidade não são mais do que a gente. ao meio de toda a história haverão sempre silêncios mitigados, inquisidores, palavras mortas entre os dedos dos pés que seguram um corpo, haverás sempre tu, pai, a remoer as páginas do destino, as que eu escrevi que sempre estiveste certo das que tu escreveste. haverá sempre o teu riso a ecoar pela casa, a afagar-se nos móveis seguros pelas tuas fotografias, o teu rosto pálido, morto, espalmado num papel de poucos centímetros, acomodado em cima da cómoda, em cima do armário, dentro da gaveta, ao cimo de mim. e os teus passos a levar-me para longe, de encontro ao caminho de terra batida, dentro do carro preto, velho, a segurar entre os braços, pequenos, as canas da pesca, o cacifo, os anzóis, os bichos, curva contra curva, sempre fundo até ao rio. quando chegamos pegaste em mim, do meio da tralha, e tiraste-me do carro, montaste o equipamento todo sozinho enquanto eu tentava cobrir de pedras a tona do rio, por fim ficamos os dois sentados em contra luz à espera que o peixe pegasse. gosto de ti pai e digo-to hoje pelas vezes que to quis dizer e, cobarde, me remeti ao silêncio.

por: mar

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quarta-feira, 19 de novembro de 2008

descemos a rua com o vagar do costume, páras para ajeitar os pés nas sandálias e eu para me ver as feições na montra de uma qualquer loja. somos bonitos. tu dás-me a mão e lá vamos, rua abaixo, com os óculos de sol postos. é assim que te vejo ainda, o vestido em tons de azul, florido, o chapéu de palha abandonado à força do polegar e do indicador na tua mão direita com a fita a roçar o chão, os teus passos curtos, maneados, os olhos azuis escondidos e a boca cerrada em sussurros numa cantilena familiar. lá em baixo espera-nos a praia, coberta de turistas, amealhada entre as gorjetas dos garçons no bar. sempre gostaste da praia, a areia miúda a esvoaçar-te nas pernas a cada brisa, o cheiro a sal a mordiscar-te as narinas, a toalha presa num ou outro sulco, o livro entre as mãos seguro para não lhe fugir as páginas. sempre gostaste disto e é por isso que aqui estamos, sentados frente ao mar, enternecidos com o bater das ondas, umas nas outras, enrolando-se até morrer na praia feita de areia branca, fina. devagar estendes-me a mão e puxas-me para mais perto, encostados, de mãos dadas, contamos as voltas que dá o papagaio atado por uma linha ao pulso de uma criança. somos felizes.  

por: mar

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terça-feira, 18 de novembro de 2008

subitamente caem-me algumas lágrimas e então tu entras, com os teus passos circulares, para me falares de amor. não sabes que choro por nada, ou por quase nada, e julgas-me entupida de vozes, não me julgas mal, sempre haverão em mim outros sítios, outras vozes labirínticas a conduzir-me os passos. e então eu páro de chorar e vou deitar-me no chão, abaixo da terra não se pode cair, fico ali duas, três, quatro horas, o tempo que for preciso, até o corpo se deixar enganar e acreditar que mais abaixo do que aquilo não se pode ir. finalmente vais, noite adentro, rua fora, perdeste na fotografia, e eu fico a calcetar esperas com os olhos vertidos nas mãos. já não é setembro, já não se podem dar os corpos como se deram as mãos, já não se podem ver cair folhas das árvores, tantas, que os olhos mais não vissem senão as cores em queda livre. agora só nos resta o preto e branco das flores na jarra, secas, murchas como os dedos das mãos, tristes como as peles do corpo. e se para o ano setembro voltar, volta com ele, que onze meses podem matar os dias mas não o amor.

por: mar

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segunda-feira, 17 de novembro de 2008

agora eu vou fingir que não acredito e torno-me céptica, depois tu finges que és anti-social e tornaste sociopata. por fim do fingimento nasce uma utopia e ambos habitamos um mundo inexistente. na boca dos outros, depois de algum tempo perdes as contas aos corações que mataste e tornas-te assassino, mais tarde cais no próprio fingimento e tornas-te depressivo, quem sabe maníaco. haverá quem te julgue possuído por uma qualquer entidade, haverá quem acredite que és louco mas só tu sabes o que te habita, se é ódio, remorso ou culpa, ou poderá não ser nada disso, pode ser só vontade de mudar o mundo, o teu, que o dos outros não te pertence. a certa altura já alguém te tomará como mentiroso compulsivo e a sociedade, de quem teimavas afastar-te, começará a dar-te razão para o teres feito, enterrar-te-ás em explicações que ninguém quererá ouvir, ligar-me-ás para me dizer que a vida é um choque em cadeia e eu, a céptica optimista de sempre, acreditarei no que dizes, sou a única capaz de acreditar em ti até porque a vida é este caminhar às cegas numa estrada a direito, até nos darmos conta que as estradas não têm fim. passarão anos e as suposições de uns cairão mal no estomago de outros, estes últimos encolher-se-ão em estrategemas, tentativas disformes de atingir o inantigível, compreender o incompreensível, os outros. então cairá sobre ti a ira deles, que vêm com palavras à ponta da boca aguçadas como espadas, ou lápis azuis bem afiados como os do tempo da censura, e tu, sem saber o que fazer, perder-te-ás, a estrada é a direito e não tens por onde escapar. a culpa não é tua, nunca foi, alguém te apontou um dedo e depois desse vieram outros dedos e mais outros dedos até o teu corpo ser habitado por dedos de não sei quantos corpos igual ao teu. mas a vida é uma ilusão, um quadro pintado a acrílio, as críticas serão sempre fáceis de dar, as interpretações variam tanto ou mais que as críticas mas a verdade do quadro é só uma, e essa só a conhece a mão que o pintou.

por: mar

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então vai ser assim: eu escondo-me nos teus braços e tu amparas-me do mundo, depois caímos os dois.
um dia disseste-me que a confiança é uma trepadeira que se vai alojando entre as paredes da casa, disseste-me que as trepadeiras são ervas daninhas, eu prefiro acreditar na beleza das trepadeiras, em como ficam bem na ornamentação de um ramo que, se quiseres, poderá muito bem ser um sentimento. ao mesmo tempo que mo dizias ias deixando que a trepadeira te enrosca-se os pés aos meus e a meio da conversa já a trepadeira nos chegava aos joelhos, foi assim porque os nossos corpos eram casas, será assim até a casa se alagar e apenas restarem pedras soltas ao meio de um qualquer caminho, pedras que mais tarde poderão ser muros.também me disseste que a vida é um poço onde a água das lágrimas nem sempre cabe.
talvez um dia, quando a trepadeira for mais forte do que as pedras, a casa que quer ser casa continue a sê-lo, até lá haverão poços, muros que os constroem, águas salgadas e tudo porque o caminho que nos separa, é já tão grande, que dois braços não chegam para amparar a queda do mundo.

por: mar

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sexta-feira, 14 de novembro de 2008

sem o amor no título

sentaram-se sossegados à porta do coração, à boca da lareira, do lado inverso da sala, oposto às vozes do mundo. falavam de amor mas nunca sobre amor, falavam com os gestos entupidos em desajeitados modos de erguer as mãos, enrolar o cabelo, tecer olhares e depois, já tarde, puxaram-se para mais perto, um encostado ao outro, deixaram que lhes ardessem as palavras com a lenha. quem os visse assim chegados julgaria que entre eles crescera um amor maior, mas o amor não cresce entre eles, o amor cresce neles, não há nenhum espaço entre os corpos por onde o amor pudesse crescer. e sossegados deixaram que os corpos se plantassem ali, entre a madeira do soalho, e ali ficaram até de manhã, quando as montanhas se encolheram para deixar passar os primeiros raios de sol. ele levantou-se e foi, pé ante pé, sem saber que ela o sabia ausente, partiu com os olhos cobertos de lágrimas, ela ficou calada, com um frio a secar-lhe a garganta, não gritou, ela sabe que os sonhos só duram uma noite.

por: mar

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a fotografia

o homem senta-se com o chapéu, o chapéu endireita-se com a ajuda da mão, depois o homem leva a mão esquerda à chávena e pousa o olhar, calmo, na objectiva da máquina. o homem, de olhar castanho, fica estático, os lábios cerrados em palavras mais escritas que faladas. o homem, na casa dos vinte, petrifica a sala e o casal lá atrás fala da pose do homem de chapéu, discutem o jeito do pulso, o dobrar dos dedos da mão, o cachecol preto enrolado no pescoço do homem, e a luz do flash vai bater no espelho que a reflecte do outro lado da sala. a sala tem tons claros e um relógio enorme na parede do lado do homem de chapéu, a sala veste-se de silêncio até porque é do homem de chapéu que se fazem todos os minutos apartir de então. o homem de chapéu continua parado, o olhar amendoado subtilmente pousado na máquina segura por duas mãos, firmes, presas a um corpo quase irmão do corpo do homem de chapéu. e é então que o obturador fecha e a luz do flash se esvái de encontro aos olhos do casal lá atrás, as duas mãos pousam a máquina em cima da mesa e o homem de chapéu leva a chávena à boca.

por: mar

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quinta-feira, 13 de novembro de 2008

é já de longe que me chegam as vozes, quietas em alfama, caladas em lisboa, a entornar a saliva pelos cantos da boca, a avançar passo a passo, pé ante pé, nas intermitências de algum silêncio. hoje penso, e quero que comigo pense quem achar por bem, na vida, a triste e ínfima vida, a coçar as feridas dos outros, como se dos outros não fosse feita. passado algum tempo, já tarde, com o sol posto atrás da humanidade, haverão mãos a acenar aos navios, adeus que se faz tarde, adeus que se faz cedo, adeus, para sempre adeus que antes de serem navios foram tábuas, as mesmas que me constroem o caixão. adeus lisboa, adeus alfama. e hoje, depois de muito tempo a sentir isto tudo, resolvo enfim deitar-me ao tejo, não por ti, que tu não mereces que o faça, mas por mim, porque me sinto tão atado e preso a mim que não consigo ser-me na totalidade. adeus maria, adeus. não maria, não adianta, eu sei que sentes muito, não sintas, faz-me o favor de não sentires nada como até aqui, assim a minha morte ser-te-á mais simples. morrer é só isto, cair da ponte 25 de abril de encontro ao tejo, ser água com água até o corpo se prender às margens, de papo cheio boiar, ir boiando, foi sempre isso que soube fazer maria, foi sempre isto. vou-me embora que a vida que me estava destinada é um erro. hoje de noite, enquanto dormes, vejo-te o rosto adormecido sob a almofada, os cabelos quietos, sem brisa, sem nada que os impeça de estar em paz. gostava que fosses assim a vida inteira, a tua, que a minha vida está no fim. espero que adormeças em paz hoje, amanhã e para sempre, sem mim maria, sem mim. 

por: mar

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beija-me como se fosse noite ou como se adormecessem os teus olhos na mesinha de cabeceira, que é já tempo de se soltarem os beijos encarcerados no céu desta minha boca. se amanhã, depois do beijo, te apetecer partir de novo, leva o sabor, que eu não quero ter de aguentar-te a boca na minha de uma vez para sempre. por isso te rogo, agora que os sentidos se atropelam em intempéries de gestos, volta, beija-me como se fosse noite e não deixes que amanhã te leve. e eu serei então pequena como o coral que adormece as ondas, entregar-te-ei a vida, cada vez mais pequena, que ainda me cabe no lugar do coração. e se tu fores partir as vontades ao meio como gostas de partir o corpo, leva-me contigo, quanto mais não seja para te perturbar os silêncios com gritos moucos. 

por: mar

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terça-feira, 11 de novembro de 2008

para que lado da vida vais? pergunto-te eu com o coração a doer-me na ponta dos dedos das mãos. tu não respondes, às vezes é melhor assim, o silêncio a arder num corpo em vez das palavras a esfaqueá-lo. há vontades a serrar-me os membros, enquanto tu, do alto da tua despedida, acenas um punhado de promessas. podia ser tarde ou cedo, tudo menos agora, que agora é já não sou capaz de te amar. e o bosque abre-se à tua frente enquanto corres, desprovido de tudo, atolhado de nada, com os pés trocados pela ânsia de não chegar tarde, com o rosto curvado, não vês o caminho para me não decorares o regresso. então é isto: adeus. fecho os meus braços, não haverão outros braços, nem mãos, nem corpo capaz de os abrir. calo os meus olhos que gritam a tua ausência, feridos na íris, as pupilas dilatadas pelo esforço que é vão e, antes que a noite acompanhe a minha solidão, acalmo os passos perdidos em caminhos que não lhes pertencem e choro baixo, rente ao chão, longe de nós.

por: mar

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domingo, 9 de novembro de 2008

sento-me à margem do coração, à tona do peito na berma do corpo e espero, os olhos postos no rosto em lágrimas, as mãos sujas pelo pó das horas mortas nas extremidades do teu corpo. afogamos alguma saudade entre linhas, digo-te os beijos como quem fala de amor, frases feitas no interior da ausência, caladas, desertas como o corpo que ainda habitas. não morras triste. não morras. há vozes ao redor de mim, da vida, do lado mais escuro da noite onde os fantasmas te comem a pele, o gelo derrete-te nas pontas dos dedos, e a estalagmite de silêncios que se impõe recosta a minha falta ao não movimento dos teus lábios. fecho a porta ao futuro e sem destino conduzo os meus joelhos para fora das tuas mãos, se soubesse rezar cantava-te uma novena, ou qualquer coisa que te pudesse ressuscitar, mas eu não acredito em ressureição amor, desculpa, desculpa-me muito que pouco não chega para o tanto que te fiz sofrer. então choramos, os dois, eu e o meu corpo, de dentro para fora como o tempo se deve fazer,as lágrimas caem como petróleo sobre o teu corpo que é um fósforo a arder, do incêncio que se segue não tenho memórias.e agora és cinza atirada ao vento num dia de primavera, em contra luz, de encontro ao mar.

por: mar

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então é este o fim do livro, a última página encarcerada entre um adeus e o destino. o livro será fechado e amachucado contra outros livros na segunda prateleira da estante e morrerá a poesia toda do livro, devagar entre algumas despedidas e muitos destinos tão trágicos como o dele. é este o fim de todos os livros que se leiam no intermédio, entre as novelas do tempo comum e o futuro próximo, quando o dia ainda vai a meio e a porta se mantém entreaberta. ainda ontem passeava com o livro pelos passeios de lisboa, cruzava as ruas ao meio para lhe mostrar as rectas e as curvas, as verticais e horizontais de tantos prédios, até o perder de vista, porque o livro soltou-se-me das mãos e foi pelas diagonais dos corpos, página a página, alojar-se na praça e murchar com as folhas. típico da estação. parou no tejo com a tarde entre linhas ou frases, a mergulhar com alguns restos de papoilas murchas, a morrer afogado pela enchente. e foi livre, todo o livro é livre mesmo que morto porque as palavras trazem a eternidade presa em cada sílaba.

por: mar

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sábado, 8 de novembro de 2008

a rua morde-me os pés, deita-se ao fundo com o passeio colado às paredes de todas as casas, espreguiça-se nas janelas onde o reflexo das árvores se aninha. na rua do teu nome morre um pássaro abandonado na berma do coração, deitado dá o último guincho e a morte beija-lhe o bico. a rua que é de ti deita-se à porta dos meus dias e fica encorajada pelos cheiros que lhe chegam de longe, dos limoeiros do pomar. fica a ver partir os minutos no relógio, a gemer os segundos nas pupilas e com os olhos arregalados vê-me ir, passo a passo de encontro à casa, a velha moradia atrás da cebe onde os bichos, vindos do mato, se escondem entre os arbustos. e de perto, cada vez mais perto, a rua do teu nome decora-me os gestos, como pautas de uma canção. os dedos partem-se contra o piano e ao de leve a música atravessa a rua e senta-se à tua porta, o amor fala-te de como os sentimentos estão em vias de extinção. o teu nome é um charco preso ao meio da rua do meu.

por: mar

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quinta-feira, 6 de novembro de 2008

tu falas mãe, entre o barulho da lenha a arder e a cinza, falas da roupa a secar no estendal, da máquina avariada, da lenha que não temos, do gato que anda com cólicas, da conta do telefone, do ressonar do pai que te incomoda quando tentas dormir, dos coelhos a morrer, do comportamento do meu irmão nas aulas, de eu estar desempregada, do desodorizante que compraste, da roupa que passaste a ferro durante a tarde. entre um assunto e outro corres de encontro à garrafeira e dás um gole na garrafa de vinho do porto, eu esqueço-me de ti enquanto leio uns versos de pessoa. cambaleias os teus problemas de um lado para o outro, atravessas a cozinha e vais sentar-te na sala, continuas a falar, falas-me de ti, de como tens medo que as análises se atrasem, de como esperas que as células cancerígenas sejam benignas, de como te tremem as mãos, de como te doem os calos nos pés, de como te comem os silêncios. eu ergo a cabeça, levanto-me e bebo uma chávena de chá. tu já não falas e os teus olhos preenchidos de lágrimas caem-te ao chão, a tijoleira é fria, tremem. eu visto-me de tristeza e corro ao teu encontro, embrulho-te as lágrimas entre as mãos, não quero que de ti se perca nada mãe. estás bêbada e dói-te o estomâgo, a má disposição sobe-te à boca e as entranhas entornam-se-te no chão, a trijoleira é fria, tremem.

por: mar

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quarta-feira, 5 de novembro de 2008

esta viagem começa numa recta, o percurso é o mesmo de sempre, curva contra curva até ao barulho da campainha no pátio. o motorista é o mesmo, o bigode agora branco, o cabelo agora grisalho mas sempre o mesmo tom de voz, ausente, a pedir que lhe mostre o passe. sento-me no banco e o nevoeiro traz-me memórias de tempos perdidos entre o asfalto. a senhora fala-me com a voz estreita entre os bancos, a dois ou três passos de mim leva as mãos ao cabelo e sorri com os braços abertos, eu deixo-me ser pequena outra vez e, ainda com os olhos postos no vidro da janela, lembro-me a mochila no colo, os livros do eça perdidos entre os tantos cadernos, quatro, um para cada disciplina, lembro-me do corpo magro entre a roupa larga, roupa que me davam que só estreava roupa no natal e na páscoa. a senhora demora-se mais entre os bancos, é de longe que a vejo sentada na secretária com um bando de folhas soltas sobre as mesas e quinze corpos sentados em frente dela, na parede cristo crucificado. e eu vejo-lhe as rugas no rosto, morto por entre as mechas de cabelo que lhe caem dos dedos. olha-me nos olhos e lembra-me do corpo pequeno que tive, encolhido ao fundo da sala, morto de silêncio, caído ao canto entre a parede e o aquecedor e a voz dela repreende-me a apatia, o não movimento das mãos e eu, em silêncio, percorro o autocarro todo, encolho-me no cheiro a serrim queimado vindo do aquecedor e sou corpo pequeno, sentado ao fundo da sala, no canto, eu e a minha timidez voltamos a habitar o autocarro todo num abraço. a senhora fala-me com os olhos cobertos de lágrimas, o meu rosto congela o tempo entre os seus braços e o nevoeiro conduz o autocarro até ao velho colégio.

por: mar

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a cidade está fechada como a porta da casa, fechada como os punhos das tua mãos onde escondes alguns gestos, sentimentos soltos à margem de um qualquer rio. às tantas é do avesso que se estende a toalha na mesa da sala e os passos são para serem dados ao contrário. esperas à porta, o teu corpo encaixotado entre alguns livros, e cartas, e objectos, coisas que já não se usam. já não tens idade. quando ela chega atiras-lhe o passado à cara, entra-lhe como areia nos olhos, e dói-lhe, e chora, ela, que tu nunca te deixaste chorar. esperas que se acalme, ofereces-lhe um lenço, um cigarro, um casaco, ela não fuma, não tem frio, não precisa e foge de novo. gostavas de correr atrás dela mas não podes gastar a sola dos sapatos. à tarde bebes a tua bica na mesa junto à esquina, empurras alguma saudade garganta abaixo enquanto a noite não chega e imaginas os seus olhos postos nos teus, longe dali. hoje é quarta-feira e a semana está no meio, desapertas as tuas mãos e perdes os gestos, nunca soubeste manear ausências. o teu corpo sai com as mãos às costas, cruza a rua e vem sentar-se de novo à porta, fechada como a cidade.

por: mar

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terça-feira, 4 de novembro de 2008

a casa está vazia há muitas horas, conta-se o padrão do azulejo no reflexo dos teus olhos mortos, sabe-se da quieta luz do fim da tarde na tua íris. a porta entreaberta deixa a descoberto alguns medos, coisas que te acanham desde a infância e te maltratam as noites de insónias. a tristeza toma conta das paredes, entre as sombras dos passos que já foram dados e alguma monotonia, esta casa é um cemitério de memórias. do pânico no teu rosto tecem-se algumas suposições mas só a invalidez serve de resposta. o teu corpo está flácido, a pele branca deixa a descoberto todas as imperfeições, cicatrizes, marcas, nódoas. nunca gostaste de tons claros. a casa está muda e encobre a tua história trágica, nos dois andares não encontras nada, a não ser a solidão costumeira. as janelas voltadas para o mar não têm cortinas enquanto as restantes estão forradas de preto, os móveis estão cobertos por lençóis, só o relógio da sala permite um ou outro olhar mais atento. na quietude do corpo, morto à porta do quarto, respeitam-se alguns remorsos, nomes que se dizem como trovões em dias de tempestade e depois se esquecem com o sol do dia seguinte. ela morreu viúva jovem durante a manhã do dia, seguinte.

por: mar

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segunda-feira, 3 de novembro de 2008

o teu corpo é um esqueleto onde 206 ossos dançam ao som de paul macCartney. às vezes julgo que o amor podia ser esta função simples, a verdade é que tu és uma função exponencial e eu não te consigo resolver. se fosses só isto, este corpo dançante numa sala rectangular com os móveis encostados à parede, se fosses só isto eu podia amar-te. quando te conheci ainda os dias eram maiores que as noites, nem isso era proporcional, gostei do teu jeito de andar como se corresses, do teu cabelo ondulado sempre volumoso, da tua face quadrangular e da tua boca, os teus lábios finos cheios de gloss para parecerem maiores, as palavras a suicidarem-se na ponta da língua de cada vez que tentavas formular uma frase, nunca tiveste jeito para grandes conversas, na tua boca as palavras nunca se sentiram seguras, falavas melhor com as mãos do que com a boca. confesso que ainda penso muito em ti, com mais frequência à tardinha quando me sento do saguão e vejo a noite cair sobre a cidade inteira, devagar, tu é que me habituaste a isto. pegaste-me na mão quando cheguei do trabalho, sentamo-nos no saguão com um livro entre as pernas cruzadas na tijoleira, anoiteceu devagar na poesia da minha boca inteira e nas lágrimas grossas que te caíam pela face. nesse dia soube que serias o grande amor da minha vida mas nunca to disse. agora que as noites contigo fazem parte do meu baú de memórias, faz todo o sentido dizer-te: eu amo-te. provavelmente será tarde, a esta hora és inquilina do caixão 121, na fila H, não tens caixa de correio e sei que no subsolo o papel não resiste à humidade por isso escrevo estas palavras na minha pele, para que sejam comidas contigo aí onde agora moras. 

por: mar

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domingo, 2 de novembro de 2008

fica comigo o tempo de duas passas, conta-me a tua vida entre as mãos dadas por baixo da mesa, não tenhas medo que a minha boca é um casulo onde minhocas se tornam borboletas. e diz-me onde arranjaste esse sorriso que o meu há muito apodreceu, sentado à porta de casa, à espera de quem não voltou. encontra-me uma razão, uma pequena, que chegue para justificar o meu silêncio ou qualquer coisa que me abrace a solidão inteira. é que, sabes, a minha vida é tão vazia e o relógio não mata o tempo nas paredes da casa, já não resta nada, a não ser o ensurdecedor barulho dos ponteiros a atrasar a morte de um corpo embalsamado. por isso hoje não deixes que se apague o cigarro e enquanto fumas fala-me de ti, eu tenho o tempo todo sentado aos pés, ferido como um cão abandonado, e diz-me lá de que pegadas se fazem os teus passos que os meus gostavam de saber por onde ir. se não te apetecer falar de amor, não fales, de amor prefiro saber pouco, dizem que o amor é o caminho que cruza a terra de um lado ao outro o caminho que me pertence é no meridiano ao lado. se te perguntarem de que são feitos os meus dias, não lhes fales em lágrimas, muito menos em dor, diz-lhes que trago no rosto um eterno sorriso de quem é feliz sem saber. eu não quero que me conheçam assim triste, é que, sabes, um dia destes morro.

por: mar

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tinhas o parco riso espesso de quem vem de longe, de quem traz o mundo inteiro cravado nos dentes. sentaste-te ao fundo, no canto junto à vitrine, pediste um café com os olhos postos na chuva miúda a atravessar a rua, como uma criança desnorteada. parou o tempo ali, naquele gesto, um leve erguer de mão e um mexer de lábios, a chuva a conta gotas no vidro e a rua cortada ao trânsito, andava em obras. o tempo estava-te preso no cachecol vermelho, cor de sangue vivo, enrolado no pescoço ao ponto de te esganar o corpo. mantinhas a expressão do costume, nem tanto doce nem tanto amarga, a tal mistura da ausência com presença que te ficava bem, assentava-te na pele à volta dos olhos e agasalhava-te da frieza dos tons monocórdicos. nunca foste de grandes conversas e contigo ninguém tinha mais do que monólogos. era pequena que te vias, todas as manhãs, do outro lado do espelho, mas da tua pequenês não se falava porque a altitude dos teus sonhos cobria-te os músculos. aos solavancos lá te saíam alguns suspiros, grossos como cabeças de agulhas, entre conversas de uma só voz. tinhas chegado à pouco e o café, suspenso no interior das tuas retinas, mascarara-se de natal e é o natal que te cobre os dedos das mãos, abandonados ao consolo de umas mãos tristes, escondidas por duas luvas de lã, velhas, encardidas, pretas tingidas. o teu gesto, preso no tic tac do relógio pendurado por cima da máquina, inverte a vida e fá-la ser tão pouco ou quase nada. eras, és, um berço e não consigo olhar-te sem chorar a infância que não tiveste.  

por: mar

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sábado, 1 de novembro de 2008

encosto-me ao desfiladeiro que há nos teus braços, o amor é isto, pousar o corpo todo no teu corpo e inclinar-me cada vez mais na falésia, sem medo de cair, sem medo de virar corpo desfeito ao fundo do vale, ficar com as mãos presas entre as tuas e apodrecer os gesto, congelar o sorriso no rosto e saber a que sabe a felicidade como se a felicidade tivesse algum sabor. de onde estou não se descem as colinas, sobem-se os montes, talvez por isso é da inquietante melodia dos teus passos que se fazem as veredas. páro de falar. não quero construir silêncios nos equinócios agora que tudo parece tão perfeito. é clara a imagem, pietá imaculada, virgem sem ventre, o teu colo e eu sobre ele, depois descem as cobras, serpenteiam por entre os teus lábios e é nas têmporas inchadas que a dislexia das palavras se completa, para sempre. o amor é isto, grito, enquanto os ossos do meu rosto se encaixam na tua pele. amar-te é tarde como um dia de dezembro. 

por: mar

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estavas calada, com a cabeça ligeiramente inclinada para o chão e os cabelos a tapar-te a expressão no rosto, estavas sentada à porta dos fundos da casa e o peso do teu corpo fazia curvar o banco, és gorda. trazias uns sapatos castanhos, a sola descolada à frente e os cordões desapertados tinham as tua mãos neles, secas como o vento a ecoar no vazio das folhas que se desprendem das árvores, devagar. todo o teu corpo assim embrenhado no banco, escondido na sombra caída do plátano, fazia chorar a porta ao teu lado. a porta é feita de madeira de carvalho, a fechadura está enferrujada e as heras cresceram-lhe no ventre, a humidade entrenhou-se na madeira que agora apodrece a porta quase aberta. esta casa costumava ser quente como os dias verão, esta porta costumava estar aberta, esta vida costumava ser uma vida. é com a solidão de que és feita que se constrói a rua, os candeeiros, os passeios, a praça, os bancos de jardim, a vida e a tua solidão não te chega para acarratares com o peso da vida inteira. eu olho-te da janela do meu quarto, vejo-te a seres noite e sombra e morte e a entrares, deitares-te na minha cama e gemeres como um bicho ferido, chorares muito alto.

por: mar

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