domingo, 30 de novembro de 2008
de ti só ficou o frio, a humidade das paredes, o granizo do cabelo a secar no estendal da casa, largada ao abandono numa rua caída junto à ponte. de cá do pátio, com os pés metidos num charco, a gaivota espera a água, na pressa de quem vai para longe e migra, é a última a migrar, para o lado de lá da ponte, junto à serra do pilar, onde um amontoado de gente canta o prenúncio da morte, em voo rasante. a gaivota tem uma forma estranha de voar, só com uma asa, e aos solavancos vai empurrando o ar pulmões adentro, até entupir os bronquios. o douro está preso nos olhos negros, por sua vez enfiados dentro dos binóculos no cimo do miradouro e ele, de gabardine e chapéu cinzentos, aguarda a chegada da gaivota. o voo é interrompido por um semáforo fechado e a gaivota desce, devagar, cai, até à superfície das águas. por esta altura estende-se um nevoeiro, desde a ponte da arrábida até à ponte d.luís e a gaivota, que entretanto se deixou boiar, afunda-se lentamente nas bravias águas do rio. o homem desce a serra apressado, do lado de cá há um rodopio, um diz-que-disse que enche as bocas, nas margens do douro inclina-se, espreita, perde os binóculos, espera, mas da gaivota só uma pena deu à costa.
4 comentários:
Leio e imagino um douro a preto e branco, belíssimo!...
como sempre texto maravilhoso e intenso Mar;)
Beijo*
tenho que ir ao norte, desconheço essas paisagens =)
margarete:
não me espanta o que li neste teu cantinho. escreves maravilhosamente bem e és contida nas palavras. hoje dizias: "sou uma miúda, deixem-me viver". seguramente, és uma miúda, mas uma miúda com a sensibilidade à flor da pele, com a mente aberta e com muito bom gosto.
um beijinho da luna
namastê
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