quinta-feira, 27 de novembro de 2008
a luz da tarde incendeia a sala que cai para dentro da noite, inteira, móveis e tudo.tu olhas-me com os olhos baços, encolhidos no branco resplandecente das paredes degradadas da casa e, depois de algum tempo, ressuscitas-te nas minhas pálpebras e ficas, plena de ti, cabisbaixa, como uma madalena arrependida, a bordar algumas faltas entre as tantas, vastas, ausências que me consomem. eu e tu moramos dentro da ferida, inquilinos de uma dor, ligeira mas permanente, que aumenta a cada compasso de espera. um pouco mais a preceito, do outro lado da minha cruz pesam-se dores mais profundas, pedaços de ferro queimado, enroscado como as brasas entre os lençóis. não posso negar que o castigo é maior que o corpo e que os passos são sempre maiores que as pernas, por isso me inclino sobre ti, quero ver-te melhor, cair por ti abaixo como uma lágrima interdita e, finalmente, morrer-te no colo, com o útero a sangrar um filho que não te pertence, mais tarde quem sabe consigas respirar, por enquanto basta-te um ou outro sussurro, uma ou outra demora, aqui ou ali, desde que seja em algum lugar, porque tu és dos lugares provincianos, onde se roubam as letras às palavras e se fala a correr. em breve matar-me-ás, é sempre assim quando a geada do inverno te acanha as dobras do corpo, insurgirá em ti uma qualquer raiva, contra a qual não há defesa possível, e depois, tarde ou cedo, a pele das tuas mãos tornar-se-á a pele do meu pescoço, apertada, a sucumbir sem resistência perante a força da desolação. possivelmente morrerei, como morro sempre, com a certeza de que nunca me amaste. quando dezembro chegar ao fim, e o natal se encolher nos teus braços, quererás dar vida a um menino que não é teu filho.são escassos os braços que não magoam os ossos, apertados, espremidos contra a pele do corpo já morto.é que sabes, mãe, o ano tem trezentos e sessenta e cinco dias e desses trezentos e sessenta e cinco dias nenhum te pertence.
1 comentários:
lindo.
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