quinta-feira, 6 de novembro de 2008
tu falas mãe, entre o barulho da lenha a arder e a cinza, falas da roupa a secar no estendal, da máquina avariada, da lenha que não temos, do gato que anda com cólicas, da conta do telefone, do ressonar do pai que te incomoda quando tentas dormir, dos coelhos a morrer, do comportamento do meu irmão nas aulas, de eu estar desempregada, do desodorizante que compraste, da roupa que passaste a ferro durante a tarde. entre um assunto e outro corres de encontro à garrafeira e dás um gole na garrafa de vinho do porto, eu esqueço-me de ti enquanto leio uns versos de pessoa. cambaleias os teus problemas de um lado para o outro, atravessas a cozinha e vais sentar-te na sala, continuas a falar, falas-me de ti, de como tens medo que as análises se atrasem, de como esperas que as células cancerígenas sejam benignas, de como te tremem as mãos, de como te doem os calos nos pés, de como te comem os silêncios. eu ergo a cabeça, levanto-me e bebo uma chávena de chá. tu já não falas e os teus olhos preenchidos de lágrimas caem-te ao chão, a tijoleira é fria, tremem. eu visto-me de tristeza e corro ao teu encontro, embrulho-te as lágrimas entre as mãos, não quero que de ti se perca nada mãe. estás bêbada e dói-te o estomâgo, a má disposição sobe-te à boca e as entranhas entornam-se-te no chão, a trijoleira é fria, tremem.
3 comentários:
gosto particularmente deste post.
nao sei bem porque nem como, mas tocou-me.
*
beijo
Olá Margarete...
tem uma convocação para você, lá no meu cantinho!Vou adorar ler suas respostas!
BEIJOS
Mar,
Este texto é humanamente preenchedor. Continua escrito daquela forma que todos nós sabemos.
Muito bem.
Beijinho
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