sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
ela abriu os olhos e fechou o mundo inteiro dentro deles, ancorado no fundo do azul marinho que pendia em forma de lágrimas no castiçal da sala. hoje é domingo e as aves migratórias regressam sob o peso das asas molhadas pelas chuvas de abril, escurecem algumas vozes, compridas vozes, migratórias, presas ao fundo da rua que é um beco sem saída. e na despedida os pássaros vagueiam em torno da sua cabeça. ela está morta e a sua morte serve de presságio à consequente morte da paisagem, rubra, escarlate como o sol a adormecer atrás do rio. meia dúzia de gritos permanecem apertados contra o peito, onde algumas dores mais profundas fazem ninho, e dos gritos que se ouvem chegam as palavras, sussurradas como silêncios, apodrecidos entre os dedos das mãos. tudo é pó e voa com a aragem ao longo dos caminhos de terra batida. o cão late à porta de casa, com o pêlo sujo à espera de um carinho. ela desce as escadas e vem pousar-se na grade, fala com o medo a meter-se-lhe entre os dentes, não consegue adormecer.
3 comentários:
Começamos a ler: "ela abriu os olhos e fechou o mundo inteiro dentro deles" e gostamos do texto todo, como sempre. Um beijo.
A primeira frase por si só vale imenso. Bom texto
Beijo
...e sendo noite de lua cheia, estas palavras encerram-me o sono.
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