sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
a morte tem passos breves, respirou ela as palavras que herdara da sua avó, já gasta, velha como as contas do rosário que lhe ofereça no templo de nossa senhora de fátima. fátima como ela, a menina, de olhos rasgados como as pétalas das flores do canteiro maior da praça, curvado ao peso da terra, escura, apanhada nos campos, do outro lado da cidade. a outra dançava com as peles das extremidades enrugadas, taciturna nos movimentos cautelosos ao redor de si mesma, sacudia algumas dores mais superficiais e ia, rua abaixo, passo travado, saia rodada, olhar cigano como o xaile seguro às costas e a sina na palma da mão. não se cruzaram porque a rua dela era paralela à da outra mas ficaram a ver morrer o gato, no cruzamento ao fundo, atropelado. ela respirou a melancolia de um nome santo enquanto puxava as contas do rosário de encontro à palma. a outra numa oratória a todas as tias, cunhadas, sobrinhas, mães, ciganas, chorou o mau presságio do gato preto ensanguentado contra o alcatrão. a morte tem passos breves, e lá foram, uma à frente da outra, pela manhã de um dia de semana, feriado no calendário.
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