segunda-feira, 31 de março de 2008

Partituras desavindas


* foto de Isabel Daguer


Escutei a melodia dos passos que regressam e apaguei a lanterna,
escondi-me da voz das pegadas,
esqueci-me de ser.
Mordo a maçã...

Fingi que o tempo é o absurdo sentimento.

As rosas já estão murchas meu amor,
não venhas.
A minha cruz é a dor dos outros,
não vês?

Para te falar de amor podia inventar partituras desavindas, contradicções, oposições, as maravilhas do amor estão nas diferenças. O amor nunca é uma coisa sem ser o seu contrário. É fogo e é gelo, é bom e é mau, é a dificuldade e é a facilidade. Depende do lado da ponte. Se estiveres deste lado o céu azul, daquele lado o céu é cinzento. Deste lado o mundo é um arco-íris, daquele é uma pluma ao vento.

Olha-me nos olhos, os olhos escondem a última verdade de tudo.

Porque choras?
Tudo pode mudar se agires.
Luta!
O teu caminho pode muito bem ser esse se for esse que escolheres!

A boca abre-se em lamúrios,
o rosto crava-se de saudade,
apago as pegadas com um simples toque.
Fui... fui-me!
Pecado!

Socorro! Abraça-me, o eco que te trouxe rapidamente te leva para longe. Se vieres esta noite conhecerás meu antónimo, na serenidade morrem as minhas mãos, na solenidade dormem os meus passos, o vazio solta-se-me das pontas dos dedos. Tudo foi e é o resto do que se tinha!

Posso pedir-te um sorriso?
Posso?
Não quero! Não devo!
Manter-te longe é a única certeza que tenho de ser feliz.

Contradigo a partitura, cravo o rosto de risos,
se chegares hoje, se vieres esta noite...
... desavindo!



por: mar

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domingo, 30 de março de 2008

Renascimento


*foto de Mariah




Fechei o baú das recordações,
evacoei a casa,
tranquei a porta da sala, fiquei,
fitei, escutei,
pontapeei a tua voz para longe.



Parti a ausência ao meio, liquidei a tristeza e manusiei a falta.


O espaço é o eco simplório que balança nos cabelos da falta, uma voz que se desprende do vazio das palavras. Foste tu a quebrar o ar e eu a ouvir-te. Foste tu a sacudir dos ombros o riso e eu a sorrir-te. Agora não! Não me venhas falar do amor que não se tem como se existisse na tua boca, na tua garganta, nas tuas entranhas.

Se voltares quebro-te a voz e as palavras, mudo-te o silêncio!

Soltei os cães da minha vida para que te comessem as palavras,
não quero ouvir mais nada,
não grites!
Pára!
Ao longe soltasse o vento do teu gesto.
Aragem fria... tarde incerta.

A minha saia é rodada pelos teus braços, cravei o movimento absurdo dos corpos que se agitam num abraço. Abraços são fases da vida que não se conseguem modificar, eu quero mudar, quero viver, renascer, morrer se preciso for, ter asas e não te ver.
Voar é mais do que ter asas é largar as preocupações.

Não me venhas falar de amor, logo tu.
Não!
Já respirei demasiadas vezes a tua voz,
já perdi. Já venci!
Sou eu, a vencedora sou eu!
Vai...

Entre o que é meu e o que é teu há um doce ensejo.
Jogo as cartas todas na mesa, nada tenho a esconder.
Se for alguém hei-de conseguir suportar.
O trunfo é meu!



por: mar

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quinta-feira, 27 de março de 2008

Vocábulo Morto


*foto de nivea87


Silêncio!
Não digas nada,
a vida é uma charada onde é difícil sorrir.

Cruzei o vento a Norte para te encontrar a Sul e depois parei numa nuvem para te ver a regredir. Parei! Fitei do alto o timbre exacto num desleixo caído no eco. Riu baixinho antes que a chuva caísse no seu umbigo.

Tudo ocorre dentro de nós próprios, muito ocorre fora de nós, pouco ou nada nos outros.

Fala lá!
Não! está calado.

Inventei poesia no teu cabelo e soube que na desmedida do olhar há sempre uma perfeita monotonia, pesa-me a ausência, a saudade vive em mim na quietude vagarosa, melodiosa do vagar. No ensejo invento-te a demora, peguei nela e sacudi-lhe as lágrimas, o pranto cantou a brancura da pele.

Socorro, por favor está calado!

Incerteza, contingente mágoa, tédio, um graduado solfejo.

Abstenho-me da memória e antes que se quebre a realidade aos pedaços já a recordação construiu muralhas no meu ser. Puxei por mim e soube a incongruência do sentir, decorei e ornamentei a tristeza com sorrisos, quando encaramos assim a dor ela dói menos. Balancei as lentidões da verdade e forcei o vício incerto de mim mesma, respondi ao vento no ganir do contratempo que nunca soube o que sou.

Morri quieta e parada perdida entre nada.

Eu sou vocábulo
assassinado
defunto
falecido
finado
extinto
murcho
seco

MORTO




por: mar

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Tiro o véu à dança e o chapéu ao baile...


*foto de Cláudio Pinto



Descalço-me e bailo em teus olhos,
serpenteio o coração nas tuas mãos,
pensamento,
sentimento,
tudo me parece de ambos.

Se estou quieta penso que o vazio é um lugar demasiado incerto para se estar, se me agito oiço a breve melodia dos teus beijos, respiro-me na tua pele, encanto-me no teu olhar e antes que finde a ilusão quebro a distância num suspiro. Se a palavra se demora eu irrequieta não a deixo descansada, se o silêncio se evapora confesso que sofro calada.

Em soprano ecoa a tua voz no meu coração,
em contralto a minha voz ecoa dentro do teu.

Já bailei descalça sobre a tua alma, estendi meus passos num salão de dança, cravei com espinhos a indelicadeza dos gestos, suguei a magia dos poros e li-te aos vales e montes do meu corpo em carícias que me ofereci. Se as tuas mãos tocassem a minha súbtil existência tatuando-a com o teu tacto, se... se eu estivesse a dois passos de ti e a um palmo de mim...

... entre o meu corpo e eu
ainda mora um palmo de sonhos inteiros.

Esconjuro a eternidade das promessas ocas que se soltaram de uma boca trapaceira, lábios mentirosos. O coração que inventou umas palavras ilusórias ainda bate! Maldita quietude subverssiva, malditos passos que se pervertem... corrompida está a verdade que se desenhou diante de nós, apodrecida fala que não se revelou em acto.

Tiro o véu à dança e o chapéu ao baile,
descalça permaneço insinuando o ataque...

Destapei-te mas não te encontro.
Onde te perdes?
Onde te desmereces?

Rezo baixinho no prelúdio dos teus contornos, apregoo o sentimento às suas origens, oro aos meus pés descalços, uma última dança. Rasgo a pele com a estranheza desmoralizante em mim, eis que surge ao longe o equinócio dos corpos abençoados pela chuva.

Março canta a chuva ainda de pé,
agita os braços à Primavera notória,
eu subo às paredes da minha alma
e bailo, bailo em teus olhos...




por: mar

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terça-feira, 25 de março de 2008

Pegadas são flocos


*foto de Paulo Penicheiro


... tenho saudades de ser feliz e choro!

Pegadas que deixas como flocos de neve que derretem logo depois, tu vais e eu fico enroscada em mim antes que o desfeito vire a perfeita estranheza e leveza do ser. Está maduro o fruto! A intensidade de um azar mede-se pela grandeza do anterior. Fico! A tua casa é a minha breve tentativa de respiração.

O meu barco contra o cais, a minha vida em desamparo extenso.

Não ouves o latir dos cães? A chama acesa por cima das cinzas? Magia!
Vazio exacto este que acalenta mas sufoca,
prazeroso despertar que ecoa para lá dos teus lábios.

Não finjas que não sabes que o agora é a mestria dos pobres, a sabedoria de quem teme o que julga que cai sobre nós. Fugi de mim, escorreguei por ti, o vazio fez-se uma morada e antes que eu abri-se os braços os teus já se tinham ido embora. Vaguear sobre mim é encontrar-me sempre.


A imortalidade não existe,
ressoa no meu eco a voz de manteiga,
escorregou e foi-se
antes que a minha voz se visse na tua.

Pegadas são flocos...
dizem adeus à partida
antes que se conheça
a chegada.

...tenho saudades de ser feliz e choro!

por: mar

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segunda-feira, 24 de março de 2008

O dar das mãos


*foto de Daniel Oliveira


O dar das mãos está frio,
está frio e gelado,
ficam aqui em silêncio
as mãos que nunca se dão...

Sou uma marioneta do passado, embriago-me da dor e preencho-me de perda, o meu maior vício é a solidão, a minha maior memória é a tristeza. Recordações? De agora em diante só quero ter uma ou duas, as outras estão fechadas no baú da minha infância, a sete chaves, tomara eu não me lembrar já delas.

Sinto o gelo a preencher os contornos da minha face,
a trajectória ideal das mãos é a entrega...
afastei as rugas do rosto para ter um sorriso limpo.

Silêncio! Silêncio!
São mãos que nunca se dão.

A exactidão dos limites é a imprecisão dos dedos que os desenham. Fecho a porta e espreito pela janela, estás longe de tudo o que queria perto, estás aqui. A perene sensação de fraqueza, imprudente falha no sistema linear desta vida. Empurro o vagão contra as paredes e deixo que se abata tudo. Quero lá saber! O mundo é tão pequeno...

Dá-se tudo agora mas já não se dão as mãos
e quanto mais se tenta dar
mais se perde tudo
na vagarosa e irrequieta mania de se querer
sempre mais.

No silêncio fica escondido o dar das mãos,
remoto fechar do túmulo da desilusão.
Escondo-me em ti.
Fico por aqui.


... resta-me o dar das mãos.


A pele que é pele nunca esquece o toque, o toque que é toque nunca deixa que se esqueça a pele, pele na pele, dar de mãos, o resto passa por nós agitando bandeiras brancas em sinal de paz, a minha voz fugiu.


por: mar

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sábado, 22 de março de 2008

A minha casa é de água


*Foto de A.M.Catarino

Quero construir um castelo
com os teus toques e com os teus aromas,
fazer de ti o primeiro dia do resto de toda a vida.

Farei de ti o resto da minha vida, se fores pintura pinto-te com os tons da minha alma, um arco-íris de sonhos, todas as cores misturadas e no fundo sorridente as luas dos meus olhos. Se fores um texto escrevo-te à tardinha quando o sol já alto se esbarra com a montanha e depois cai por detrás dela e tudo anoitece. Se fores livro leio-te de um trago, de manhã, mal o sol se levante, logo que a lua se deite, para te entender por todo um dia.

Invento-te as formas antes que caias do céu dos felizes,
vens? Preencher de felicidade a calçada por onde caminho.
Se cair... segura-me!

Tu és a doçura eterna que ecoa na minha alma, tarde calma, manhã submersa em carinhos, riso disperso em carícias. Se te sonhei antes tenho-te agora e nem a aurora me tira a vontade enorme de te ficar, de te permanecer.
Sentes-me a sacudir-te as tristezas das costas?

Se gostas porque não mostras?

Não. Não sou como S.Tomé, acredito. Não é preciso ver um sentimento, é preciso apenas sentir e sentir sinta aquele que me lê, esta maneira inteira de te amar, este jeito absoluto de to dizer, a verdade respira em cada poro do meu corpo. Escrevo-te na minha pele, tatuo-te, permanente...



não quero que saias daqui.

Se ouvires gritar apaga a luz,
esconde-te no sótão...
a dor dos outros tem tentáculos fortes,
alcança todos.

A minha casa é de água, comovo-me e choro. Choro e sinto, lugar muito incerto. Ando dispersa. Minto! Não. Fico! Quero cantar a mágoa e o pranto. Perder em contratempo. Viver por ti. Amar!

por: mar

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sexta-feira, 21 de março de 2008

Escondida entre o Tempo


* foto de Ana Maria Russo


Falas-me baixinho entre a leveza dos instantes,
sussurro-te a verdade ao avesso,
tocam-se os sinos
e a esperança é a vagarosa percepção do mundo que nos separa.


Fiquei escondida entre o tempo, foram dias e dias inteiros a perder de vista o horizonte, a verdade, depois cruzei os teus passos e os meus e sem querer criei esta morada para me cruzar contigo no nosso preto e branco.
Aqui fiquei contando os nortes da tua ausência, partindo aos quadrados a distância e antes que se ouvisse um gemido, escrevi. Escrevi que o passar dos dias era triste sem me ter do teu lado, a verdade não fazia sentido, o eco não mais se ouvia e até a natureza se escondia perdendo a cor.
Aqui permaneci agitando a híbrida e incoerente necessidade de mim, fechei a porta à mágoa e desvaneci, dentro de mim o cheiro a ti evocava o meu verdadeiro eu, depois tudo se quebrou pela metade muito antes de eu reparar nisso...

Tocam os sinos...
benzem-se as falas,
o que está escrito conhece um lugar!



por: mar

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